Brasao TCE TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS
COORDENADORIA DE RECURSOS

   

1. Processo nº:108/2019
    1.1. Apenso(s)

13/2019, 109/2019, 156/2019, 1435/2019

    1.2. Anexo(s)5884/2014, 1539/2019
2. Classe/Assunto: 1.RECURSO
1.RECURSO ORDINARIO - REF. AO PROC. Nº - 5884/2014 - INSPEÇÃO CONFORME RESOLUÇÃO 747/2014 REFERENTE AOS TERMOS DE PARCERIA 1,2, 3 E 4/2013: FIRMADO COM O INSTITUTO SÓCIO EDUCACIONAL SOLIDARIEDADE - ISES - EXERCÍCIO 2014.
3. Responsável(eis):JAYZE BEZERRA GOMES - CPF: 00097569143
SAMYLA TASSIA VALADARES GOMES - CPF: 03138516114
4. Origem:PREFEITURA MUNICIPAL DE MIRACEMA DO TOCANTINS
5. Distribuição:4ª RELATORIA
6. Relator(a) da decisão recorrida:Conselheiro SEVERIANO JOSÉ COSTANDRADE DE AGUIAR
7. Representante do MPC:Procurador(a) ZAILON MIRANDA LABRE RODRIGUES

8. ANÁLISE DE RECURSO Nº 15/2020-COREC

I - RELATÓRIO

Trata-se de pedido de juntada de complementação de defesa a recurso ordinário, recebido pela Quarta Relatoria como expediente, apresentado por JAYZE BEZERRA GOMES e SÂMYLA TÁSSIA VALADARES GOMES, em face da Resolução nº 595/2018, proferido pela Primeira Câmara deste Sodalício, a qual acolheu os Relatórios de Inspeção nº 07 e 08, ambos de 2015, realizada na Prefeitura Municipal de Miracema do Tocantins, motivada pela Resolução nº 747/2014, visando obter dados, documentos e apurar possíveis irregularidades na execução e nos pagamentos efetuados nos Termos de Parceria nº 2, 3 e 4 de 2013, celebrados entre o município de Miracema e o Instituto Sócio Educacional Solidariedade – ISES, municipalidade na qual as insurgentes figuraram, à época, como membras da Comissão de Licitação, impondo-lhes multas individuais nos valores de R$ 6.000,00 (seis mil reais).

No documento em evidência, as responsáveis buscam, precipuamente, complementar as razões recursais do recurso ordinário que já interpuseram nos autos, consubstanciado no RO nº 108/2019, trazendo novas argumentações acerca dos pontos que ensejaram suas condenações nos autos da Inspeção nº 5884/2014.

Por meio do Despacho nº 37/2020, a Quarta Relatoria encaminhou o feito para esta Coordenadoria, instaurando sua segunda instrução.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A princípio, ressalto que o dever de fundamentar a presente manifestação decorre do art. 194 do Regimento Interno desta Corte (§1º[1]). Referido dispositivo além de consagrar o dever de fundamentação, exige que as manifestações processuais desta Casa sejam lavradas de acordo com as normas regimentais ou regulamentares para o assunto objeto do processo (§3º[2]), donde se conclui que a fundamentação das análises a serem coligidas aos autos que tramitam neste Sodalício deve guardar estrita compatibilidade com as normas vertidas na Lei Orgânica e no Regimento Interno deste Tribunal.

Essa adstrição da análise com as regras domésticas desta Corte deflui, inclusive, do inciso XXII do art. 5º da Resolução Administrativa nº 01/2012 (Código de Ética dos Servidores do Tribunal de Contas do estado do Tocantins) e do inciso III do art. 133 da Lei Estadual nº 1.818/2007 (estatuto dos servidores públicos do estado do Tocantins), regramento que impõe a este Auditor de Controle Externo o dever de fundamentar suas manifestações de acordo com as normas desta Corte (Lei Orgânica e Regimento Interno), o que me proponho a fazer doravante dentro destes lindes normativos.

Pois bem.

A regra que permite a juntada de documentos, no curso da instrução processual nesta Corte de Contas, encontra-se plasmada no art. 219 do Regimento Interno deste Tribunal. Por oportuno, trago à colação o inteiro teor de tal dispositivo. Veja-se:

 “Art. 219 - Em qualquer etapa do processo, desde a sua constituição até o momento da inclusão em pauta, é facultada ao responsável ou interessado a apresentação de documentos, comprovantes de fato novo superveniente, que afetem o mérito do processo, mediante expediente fundamentado dirigido ao Relator.” (grifei)

Da exegese da referida regra, cujo teor é bastante claro, extrai-se que a apresentação de documentos, no curso da instrução processual, no âmbito desta Corte de Contas, se dá de forma excepcional e somente pode ser admitida no caso de comprovação de fato novo superveniente que tenha o condão de afetar o mérito do processo. Infere-se, portanto, que o responsável somente pode se valer de tais dispositivos caso a documentação que se queira coligir aos autos já submetidos à instrução, atenda, simultaneamente, esses dois requisitos previstos pelo Regimento Interno deste Tribunal.

Nessa esteira, tem-se que fato novo superveniente deve ser entendido como aquele cuja ocorrência não conste do processo e cujo surgimento seja posterior aos fatos de que versam os autos. Essa linha de intelecção se afina, aliás, com a definição prevista no Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa para a palavra “superveniente”, compêndio que revela o significado para o referido vocábulo nos seguintes termos: “1. Que sobrevém. 2. Que aparece ou vem depois[3] .

Destarte, a apresentação de documentos incidentais, reafirme-se, somente é permitida para a comprovação de fatos que guardem as particularidades ora descritas (1- seja novo e surja em data posterior aos fatos que tratam os autos - supervenientes; e 2 – afete o mérito do processo), o que não se confunde com a prática de atos processuais, como aqueles ligados ao direito recursal dos responsáveis, os quais se submetem, necessariamente, aos efeitos da preclusão.

Essa linha hermenêutica do art. 219 do Regimento Interno, aliás, é a única capaz de harmoniza-lo com o art. 23 da Lei Orgânica desta Corte, regramento a que é subordinado, o qual consagra a sistemática da preclusão para os atos processuais praticados no âmbito deste Tribunal.

E de outra forma não poderia ser. Não fosse a preclusão, a marcha processual não teria término, caso esse fosse o intento dos responsáveis figurantes no processo. Bastaria a frequente apresentação ou complementação de recursos ao tempo em que o feito se aproximasse da inclusão em pauta, para se reabrir novamente o curso processual, o que, para ser eufemista, beiraria ao absurdo.

Se essa prática fosse possível, indaga-se: qual seria a lógica da fixação de prazos para apresentação de recurso ordinário por parte dos responsáveis do processo, nos termos em que estabelece textualmente o art. 47 da Lei Orgânica? Qual efeito a intempestividade traria para o processo? A vingar a equivocada interpretação dos dispositivos em comento, no sentido de ser possível a apresentação de complementação de recursos (atos postulatórios) pelos responsáveis a todo o tempo, fora da hipótese excepcional descrita no art. 219 do RITCE/TO, as perguntas formuladas ficariam sem a devida resposta e a antinomia (contradição entre normas) imperaria entre os arts. 23 e 47 da Lei Orgânica e os arts. 210, §1º; 211, parágrafo único e 219; todos do RI, dentre tantas outras.  

Além disso, é importante frisar que ao possibilitar o estado de pendência do processo ao alvedrio dos responsáveis envolvidos, nos termos em que demonstrado, incorre a interpretação criticada, do dispositivo em comento (art. 219 do RITCE/TO), em ofensa direta à garantia fundamental da razoável duração do processo (CR, art. 5º, LXXVIII), padecendo, pois, ao menos na via reflexa, do vício da inconstitucionalidade.

Frise-se: a preclusão cuida-se de fenômeno intrínseco a todo e a qualquer processo[4]. É ela que lhe confere etapas, o impulsiona para o deslinde final e que obsta a má-fé e o abuso processual. Haverá casos, é verdade, em que a preclusão será mitigada, mas ela nunca poderá ser eliminada. Isso se dá, portanto, de forma excepcional e nos casos expressamente previstos, tal como aquele contemplado no art. 219 do RITCE/TO, que franqueia aos responsáveis e interessados a apresentação, a todo tempo, de documentos sobre matéria de fato estranha ao processo, que seja a ele superveniente e que seja capaz de influir no seu mérito. Há aqui inteira razoabilidade na admissão desses documentos, os quais se situam no campo probatório. Razoabilidade não há na interpretação elástica do citado dispositivo, de modo a tornar admissíveis documentos que se situem no campo postulatório, tal como os recursos e defesas, v. g., o que é, como fartamente demonstrado, inconcebível, por instaurar séria antinomia entre dispositivos da Lei Orgânica e do Regimento Interno desta Corte de Contas e, sobretudo, por inobservar a sistemática da preclusão, o que, segundo a doutrina, também é um fator que conduz à invalidade processual[5].

Feito este esclarecimento, para bem elucidar o conteúdo do dispositivo regimental que regulamenta a apresentação incidental de documentos no curso de um processo, tenho que o expediente em exame não se subsome à hipótese legal descrita no art. art. 219 do Regimento Interno deste Sodalício.

Isso porque, ao compulsar tal petitório, percebo que o mesmo se encontra desprovido de qualquer documento que comprove algum fato novo superveniente aos fatos apurados na espécie. A rigor, o que se extrai da leitura do expediente nº 15536/2019, é que as responsáveis visam, precipuamente, como já acentuado no introito desta análise, complementar as razões do recurso ordinário que apresentaram, ao fazer nova argumentação acerca dos pontos objeto de julgamento da mesma Resolução que anteriormente impugnaram, ignorando completamente o sistema preclusivo intrínseco aos processos que tramitam nesta Corte.

Neste caso em específico, tenho que os expedientes em análise foram atingidos pela preclusão consumativa[6], na medida em que, exercido o direito de recorrer pelas responsáveis, por ocasião do recurso ordinário nº 108/2019, naquele ato processual deveriam ter exaurido tal direito, sendo-lhes defeso, portanto, adita-lo ou complementa-lo, como feito por intermédio do expediente nº 15.536/2019.

E assim procedo com base na jurisprudência cimentada do E. Tribunal de Contas da União, a qual se consolidou no sentido de não acolher expedientes, face à preclusão consumativa, que assim como no caso vertente, visam à complementação das razões de um recurso apresentado em momento pretérito. Por oportuno, transcrevo alguns excertos pertinentes da jurisprudência selecionada daquela Corte de Contas Federal que espelham bem referido entendimento. Veja-se:  

Não é possível a juntada de novos elementos após a interposição do recursodiante da preclusão consumativa.” (Acórdão Plenário nº 2.928/2016, Rel. Min. JOSÉ MÚCIO MONTEIRO) (grifei)

A interposição de recurso gera a preclusão consumativanão sendo possível a apresentação de petição com informações complementares.” (Acórdão nº 4.208/2008, Rel. Min. UBIRATAN AGUIAR) (grifei)

Nessa toada, registro que esta própria Corte de Contas, por sua Presidência, já tem inadmitido impugnações contra suas decisões quando caracterizada a figura jurídica da preclusão consumativa, tal qual pode ser constatado do Despacho nº 197/2018, coligido ao processo nº 2.689/2018 (evento nº 3), inserido no sistema e-contas deste TCE.

Ademais, consta do recém aprovado Manual de Recursos e da Ação de Revisão deste Sodalício[7] a impossibilidade de complementação de uma irresignação já aviada pelos responsáveis, mercê da ocorrência do instituto processual da preclusão consumativa.

Calha ressaltar, por oportuno, que por ocasião do julgamento do processo nº 010.484/2014-0, na sessão do dia 27.11.2018, em caso deveras similar ao que se tem na espécie, o Ministro AROLDO CEDRAZ, ao se deparar com petição de razões complementares a uma irresignação protocolizada em momento pretérito na Corte de Contas Federal, acentuou que tal prática, além de encontrar óbice no instituto da preclusão consumativa, deve ser evitada, pois pode redundar no que denominou de “eternização do trâmite processual” e na própria “intempestividade de atuação” daquele Sodalício (cf. Acórdão 11751/2018 – Segunda Câmara), fatores estes que entendo servir de alerta para este próprio Tribunal, notadamente ante o recente reconhecimento por parte do STF[8] da prescrição da pretensão punitiva em processos que tramitam no âmbito do TCU, cuja consumação se opera, inclusive, quando verificado prazo superior a 5 (cinco) anos após a citação do responsável no feito, valendo-se, para tanto, da mesma regra jurídica que esta Corte tem utilizado para aferir a prescrição nos feitos que aqui tramitam, qual seja, a Lei Federal nº 9.873/99 (Neste sentido: Despacho nº 318/2019 – 3ª Relatoria, B.O. nº 2.288, p. 5/6).

Assim, a prevalecer a prática de aceitação irrestrita de toda e qualquer  documentação como expediente nos processos que aqui tramitam, fora da hipótese excepcional prevista no art. 219 do RITCE/TO, isto é, sem que o interessado comprove que a documentação encartada prova fato novo superveniente com afetação meritória na espécie, tal prática dá margem para que o estado de pendência do processo fique sob o alvedrio dos responsáveis, os quais podem, inclusive, protela-lo a ponto de induzi-lo à prescrição.

A par disso e dirimida qualquer dúvida quanto à incidência da preclusão consumativa nos processos que tramitam neste Sodalício, entendo que o expediente em apreço, por não se enquadrar na hipótese excepcional do art. 219 do RITCE/TO, não deve ser considerados para fins de julgamento os argumentos jurídicos neles contidos, em decorrência da flagrante preclusão consumativa que lhe acomete. 

III - CONCLUSÃO

Ante todo o exposto e apoiado no art. 194, §3º, do Regimento Interno desta Corte de Contas, com fulcro na linha hermenêutica que não gera antinomia entre as regras domésticas desta Casa, na melhor doutrina e na pertinente jurisprudência do E. Tribunal de Contas da União, concluo que o expediente nº 15536/2019, apresentados pelas recorrentes JAYZE BEZERRA GOMES e SÂMYLA TÁSSIA VALADARES GOMES, não devem ser acolhidos por esta Corte de Contas, eis que as aludidas responsáveis malograram na comprovação de fato novo superveniente com afetação meritória na espécie, tal como reclama o art. 219 do RITCE/TO, o que atrai ao caso a incidência do instituto da preclusão consumativa, nos termos explicitados na fundamentação desta análise.

Ao fim e ao cabo, entendo deva prevalecer na espécie o entendimento já exarado no bojo do presente processado, veiculado na análise de recurso nº 221/2019, a qual se ratifica in totum nesta ocasião.

É como me manifesto.

Ao Corpo Especial de Auditores.


[1] Art. 194 - Protocolizados, autuados e distribuídos ao Relator de acordo com as normas regimentais e regulamentares, serão os autos encaminhados diretamente ao órgão de instrução competente.

§ 1º - Todas as instruções, informações, pareceres, relatórios, votos e decisões praticadas nos processos deverão trazer seus elementos principais e ainda serem claros, precisos, fundamentados e conclusivos, ficando disponíveis no sistema informatizado. (grifei)

[2] § 3º - Os atos citados no § 1º deste artigo deverão ainda ser lavrados de acordo com as normas regimentais ou regulamentares para o assunto objeto do processo.

[3] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 6 ed. rev. atualiz. Curitiba: Positivo, 2004, p. 758.

[4] A afirmação categórica é do professor Fredie Didier Júnior: “Não há processo sem preclusão”. In DIDER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Vol. 1: Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. Salvador: juspodivm, 17ª ed., 2015, p. 419.

[5] Idem, p. 429.

[6] Consiste na perda de um poder processual, em razão de já ter sido exercido esse poder, pouco importa se bem ou mal. Se o ato processual pretendido já fora praticado, não é possível corrigi-lo, melhora-lo ou repeti-lo (DIDER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Vol. 1: Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. Salvador: juspodivm, 17ª ed., 2015, p. 424).

[7] Resolução Plenária nº 889/2019 (Boletim Oficial nº 2442 de 28.11.2019, p. 6)

[8] STF – MS 32201, Relator(a):  Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 21/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 04-08-2017 PUBLIC 07-08-2017.

 

Tribunal de Contas do Estado do Tocantins, COORDENADORIA DE RECURSOS em Palmas, Capital do Estado, aos dias 28 do mês de janeiro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por:
HUMBERTO LUIZ FALCAO COELHO JUNIOR, AUDITOR CONTROLE EXTERNO - CE, em 29/01/2020 às 10:52:15
, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012.
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